terça-feira, 17 de novembro de 2009

Toda nudez dará lucro

Uma garota, Geisy Arruda, resolveu exercer seu direito de ser insinuante na escola que frequenta. Com a ideologia reacionária que anda lavando o cérebro de boa parte dos jovens, só não foi apedrejada numa faculdade na Grande São Paulo, como a Madalena dos Evangelhos quase o foi, porque almas generosas chamaram a polícia.


A direção do estabelecimento de, desculpe a má palavra, “ensino”, em vez de punir os marginais, expulsou a estudante. Uma colega da estudante chegou a dizer que ela envergonhava o Curso de Turismo, que faz na tal empresa, Uniban. Na verdade, o episódio envergonha o tipo de ensino ministrado nessa casa de negócios, em especial o curso de Direito, tal a trapalhada jurídica e de valores em que a direção da Uniban se meteu (o que ensinará aos bacharéis?).

Graças à ação de pensantes, indignados com a postura da universidade e dos machistas de ambos os sexos, a Uniban recuou de sua decisão. Sua reputação, porém, ficou maculada. Não estamos mais na Idade Média, estamos no capitalismo!

Quando analisou este sistema econômico em que vivemos, o pensador alemão Karl Marx chamou a atenção para o fato de que o capitalista tem um peculiar toque de Midas: tudo em que ele põe a mão vira mercadoria. Assim é com o ensino e assim é também com as agruras e desatinos que o próprio capitalismo deflagra. Neste caso da estudante, empresários já investem em como tirar lucro do episódio.

Roni Argalji, presidente da Duloren, que já usou Dercy Gonçalves aos 93 anos, como modelo, deseja que Geisy atue como garota-propaganda de lingerie na próxima campanha de sua grife. Quer os anúncios ainda este ano, a tempo de faturar nas vendas natalinas: "Eu e ela temos que aproveitar esse momento", diz.

Geisy seria (ou será, as negociações estão em andamento) filmada usando uma lingerie vermelha, cercada por figurantes que representarão os canalhas que quiseram agredi-la na Uniban. "Será a multidão em volta, assediando. E ela sem medo, mantendo sua posição diante daqueles ‘dromedários’, como foi na faculdade", diz Argalji, o Midas do século XXI. – Na vida real é bom ter medo, pois os “dromedários” podem estuprar e até matar a moça provocante que desfila em sua frente.

Já a Casa do Saber, em São Paulo, aproveitou o episódio para vender o curso Moda; História da Minissaia, ministrado pelo professor João Braga. Diz o prospecto: “Usada por mulheres (e até por homens) que deixam pernas e coxas à mostra, ontem e ainda hoje, é motivo e convite a uma reflexão”.

Também de olho no bolso de mentes conspícuas com o acontecimento, o diretor de redação da Playboy, Edson Aran, idealiza um ensaio com a estudante na sua revista. Estudantes machistas da Uniban poderão, se o projeto da revista se concretizar, ver no recôndito de seus quartos ou banheiros o que seus olhos e mentes temem testemunhar diante do testemunho público.

Já há quem fale, revelando certo preconceito com relação à garota, que ela fez de caso pensado o seu desfile provocante na Uniban. Seria acreditar que ela tinha noção da dimensão e repercussão que o caso assumiria, inclusive da reação bestial dos estudantes e estúpida da direção do estabelecimento. E que seu nome, Geisy, foi escolhido de caso pensado para este momento de brilho da moça, já que significa esplendor, em alemão.

Fico com Ovídio, o poeta latino que viveu de 43 a.C a 17 d.C e dizia: "O acaso é sempre poderoso. Mantenha o anzol sempre pronto. No instante mais inesperado, você encontrará o peixe". O Midas capitalista mantém o anzol pronto. Fisga assim suas mercadorias, digo, seus peixes.

Carlos Pompe
* Jornalista e curioso do mundo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário